A importância de uma tipografia#
A Helvetica não se limitou a ser a tipografia-chave do revival modernista. Aos 60 anos, ela ainda é uma referência no design gráfico. Foi, por exemplo, uma das fontes digitais incluídas por default no sistema operacional dos computadores Macintosh, da Apple, de 1984 em diante, o que aumentou o potencial de sua onipresença e uso pelos profissionais do design.
O Nexo fez então uma pergunta aos seguintes designers e tipógrafos brasileiros:
- Fábio Prata e Flávia Nalon, designers do estúdio ps.2
- Chico Homem de Melo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
- Daniel Sabino, designer e tipógrafo do estúdio Blackletra
- Julio Mariutti, designer do estúdio lógos
- Tereza Bettinardi, designer gráfica
Qual a relevância da Helvetica para o desenho de tipografias e o design gráfico ao longo de seis décadas?
Fábio Prata e Flávia Nalon
“Para um designer é incrível observar o seu desenho e, o seu não desenho. A relação figura/ fundo, o espaço preenchido e vazio, o espaço entre as letras, dentro e fora delas, é realmente primorosa. É um equilíbrio tão bem resolvido, que parece natural. (...) As curvas estão lá, mas de forma discreta e precisa, apenas onde precisam estar. O eixo horizontal marcado parece conferir um equilíbrio e simplicidade no desenho que não se encontra em outras tipografias. Então fica uma dica de designer. Se não souber que fonte escolher para o seu projeto: Helvetica bold, do maior tamanho que couber em sua folha”
Chico Homem de Melo
“Nos anos 1980, eu costumava dar uma aula sobre tipografia para estudantes de arquitetura. Era uma espécie de introdução ao assunto, para jovens que nunca tinham prestado muita atenção no desenho das letras. Eu começava mostrando a Helvetica e a Univers, e dizia: ‘O mundo se divide em dois tipos de pessoas: os que gostam da Helvetica e os que gostam da Univers.’ E daí eu completava: ‘E a pergunta que vocês devem estar se fazendo é: Qual é a diferença entre elas?’ Atualmente, acho que o embate entre Helvetica e Univers não emociona mais como emocionava décadas atrás.”
Julio Mariutti
“Por que a Helvetica conquistou esse lugar de ‘a tipografia mais universal já desenhada’? Muitos se perguntam por que a Univers não conquistou esse lugar.
Há uma série de questões comerciais, de distribuição etc., mas para mim a resposta também está no próprio desenho. A Helvetica é perfeita para o que ela quer ser – mesmo quem odeia a Helvetica odeia justamente porque ela é perfeita. Perto da Helvetica, a Univers é cheia de particularidades e afetações. A Helvetica é tão ‘normal’ que quase dá para definir todas as outras fontes a partir daquilo em que elas diferem da Helvetica.
No estúdio a gente costuma dizer que, se não houver um ótimo motivo (um significado claro) para usar outra fonte num trabalho, é Helvetica. Primeiro, porque ela manifesta uma filiação ao design modernista, com que nos identificamos profundamente; segundo, citando o Experimental Jetset, estúdio holandês, ao usar a Helvetica você tira um pouco o foco da escolha da fonte e passa para o que você faz com ela.”
Daniel Sabino
"É difícil afirmar se Helvetica é realmente um tipo neutro. Prefiro pensar que não, sua personalidade é marcante e reconhecível, talvez devido ao amplo uso a que tem sido submetida. Poucos tipos resistem ao tempo dessa forma, ela é um produto de design duradouro. Helvetica é normal, e pode estar aí a razão da sua importância para a cultura visual na qual estamos todos inseridos".
Tereza Bettinardi
“É inquestionável a importância da Helvetica para a história do design gráfico moderno. Mas fico na dúvida se a sua onipresença e popularidade não trouxe um efeito colateral, proporcionando um efeito geral de monotonia.
Tipografia é voz. Imagine se todas as fachadas das lojas de uma rua fossem desenhadas em Helvetica. O sonho de muita gente, até já foi criado um tumblr para isso, amplamente compartilhado entre colegas. Por outro lado, quantas alternativas e vozes diferentes não ficariam de fora desse espectro? Helvetica é uma declaração inequívoca de racionalidade, um assunto muito caro aos designers. No entanto, a busca da racionalidade esbarra sempre em alguns limites, dados pelo mundo real, quando um projeto entra em contato com a alteridade – o cliente, mas, sobretudo, também o público/consumidor final. Por isso eu penso que ela também diz muito sobre quem projeta.
Não sou contra a fonte – aliás, recorro a ela em alguns projetos. Mas questiono a decisão por seguir acriticamente um cânone do design para justificar qualquer decisão de um projeto, ignorando o contexto da coisa.”
Contra a Helvetica#
Ao se observar quais as fontes mais vendidas em alguns dos principais websites de comércio digital de tipografias, chama atenção o fato de que a estética da Helvetica segue em alta: ela figura quase sempre entre as cinco primeiras, e as demais posições são ocupadas por outras de desenho semelhante, como Univers, Futura, Avenir.
O que explica a permanência da tipografia sexagenária? A primeira década dos anos 2000 foi marcada no design gráfico por um retorno à estética modernista dos anos 1960, como um contraponto materialista à hiperdigitalização do final dos 1990. Estúdios como o inglês SPIN e os holandeses do Experimental Jetset ajudaram a criar o imaginário visual desses anos, ora desenvolvendo um trabalho minimalista e racional, ora adotando esse revival como referência histórica.
Mas, ao longo de seus 60 anos de existência, a percepção sobre a Helvetica foi mudando. "Hoje acho que a Helvetica nunca foi pensada para ser a tipografia fria, perfeita e racional que se acredita ser. Há um ‘calor’ sutil em suas formas que se perdeu com o passar dos anos" afirma o tipógrafo Christian Schwartz, da Commercial Type.
Muitas vozes críticas se levantaram contra a tipografia de 1957. Para o tipógrafo alemão Erik Spiekerman, ela se banalizou. “A maioria das pessoas que usam Helvetica o fazem porque ela é ubíqua. É como ir ao McDonald’s em vez de pensar em comida. Porque está lá, em todas as esquinas, então vamos comer porcaria porque está na esquina.”
Em um texto escrito em 2007 para a Eye, importante revista de design, no cinquentenário da Helvetica, o tipógrafo holandês Martin Majoor fez um duro ataque contra a hegemonia da invenção de Max Miedinger. Ele credita seu sucesso e popularidade a uma agressiva estratégia de marketing e à forte influência que os suíços tinham no mundo da tipografia e design. Em especial, critica a pouca adequação da Helvetica – “a pior escolha que você pode fazer” – para textos mais longos .
Na mesma linha, na Smithsonian Magazine, o professor de tipografia americano Alastair Johnson escreveu sobre a pouca eficácia da Helvetica em alguns casos. “Para serem legíveis, as palavras têm que ter um equilíbrio visual entre os espaços brancos internos e externos [às letras], numa espécie de fluxo aerodinâmico. Tipos como Syntax ou Frutiger funcionam muito melhor que a Helvetica, que parece fechada em si mesma, constipada”. Já para o designer americano Armin Vit a suposta neutralidade da tipografia é “besteira”. “Não há nada de neutro sobre a Helvetica. Escolhê-la tem tanto significado e carrega tantas conotações como escolher qualquer outra tipografia.”
Ame ou odeie, fato é que, 60 anos depois de sua criação, nenhum designer ou tipógrafo fica neutro diante da Helvetica.