ESPECIAL

Os 60 anos da tipografia que virou ícone

Por Guilherme Falcão, Thiago Quadros e Ariel Tonglet em 9 de outubro de 2017

Caracteres da fonte Helvetica

Tudo que nos cerca em nossa vida é de, alguma forma, um produto de design. É o que o crítico de design inglês Rick Poynor defende no ensaio "O irmão mais novo da Arte". No texto, Poynor comenta que é bem possível que alguém, morador de alguma localidade remota do globo, passe sua vida inteira sem ter contato com nenhum objeto de arte. Essa pessoa, no entanto, com certeza terá lidado com milhares de itens de design. Do telefone que nos desperta de manhã ao abajur que apagamos antes de dormir, estamos cercados por objetos que são desenhados por alguém com algum propósito: são produtos de design – seja ele gráfico, industrial, de vestuário.

Mas há um produto de design que nos cerca diariamente e que, por vezes, para muita gente, passa despercebido: as fontes tipográficas. Elas estão por toda parte. Estão aqui, na tela deste computador ou smartphone em que você lê este texto, em anúncios em pontos de ônibus, na fachada dos edifícios comerciais ou residenciais, nos livros, nas placas de elevador, nas filipetas distribuídas nas ruas, na televisão e no cinema.

E talvez nenhuma delas seja tão difundida e parte da vida global desde a segunda metade do século 20 como a Helvetica. Ela é a tipografia usada em sistemas de sinalização e transporte em diversas cidades no mundo, além de estampar alguns dos mais conhecidos logotipos e marcas de grandes empresas de produtos e serviços. Está nos sistemas operacionais de computadores e celulares e é a preferida por muitos designers.

Desde o seu lançamento, em 1957, virou a tipografia símbolo do design corporativo, do revival modernista dos anos 1960 (e também do início dos anos 2000), e motivou até um documentário, “Helvetica”, dirigido pelo cineasta Gary Hustwitt em 2007, que homenageia seu legado entrevistando designers do mundo inteiro.

Assim, a Helvetica tornou-se um ícone, a expressão da cultura de um tempo.

Caderno de anotações

CADERNO DE ANOTAÇÕES DO DESIGNER DE TIPOS MAX MIEDINGER MOSTRANDO ESTUDOS PARA A HELVETICA

O nascimento de uma tipografia#

Em 1956, Edüard Hoffmann, diretor da Hass Type Foundry, tradicional casa de fundição estabelecida em 1600 na Suíça, encomendou ao designer e tipógrafo Max Miedinger que desenhasse uma família tipográfica não serifada para ser lançada no mercado. Embarcando na onda de revalorização da estética modernista que começava a ganhar força na época do pós-guerra, Miedinger retomou os desenhos da tipografia alemã Akzidenz Grotesk, lançada mais de 50 anos antes, em 1898.

A Akzindenz Grotesk, por sua vez, era inspirada em tipografias britânicas do começo do século 19: não tinha serifa e servia a múltiplos propósitos de sinalização e comércio, características importantes no momento em que a revolução industrial moldava uma nova sociedade, com transporte de massa nas cidades e economia de escala nas fábricas abastecendo o mercado com bens de consumo.

EM 1832 O TIPÓGRAFO VINCE FIGGINS FOI O PRIMEIRO A UTILIZAR O TERMO “SANS SERIF” (SEM SERIFA) QUANDO CRIOU A “TWO-LINE GREAT PRIMER”.(IMAGEM: RIETVELD ACADEMIE)
A “IDEAL GROTESK” FOI OUTRA DAS PRIMEIRAS NÃO SERIFADAS CHAMADAS DE GROTESCAS. ERA DISTRIBUÍDA PELA BERTHOLD TYPE, DE BERLIM.(IMAGEM: BERTHOLD / CREATIVE MARKET)
“SEVEN LINE GROTESQUE”, OUTRA DAS PRIMEIRAS GROTESCAS DISPONÍVEIS COMERCIALMENTE ENTRE O FINAL DO SÉCULO 19 E INÍCIO DO 20.(IMAGEM: RIETVELD ACADEMIE)
DETALHE DO “SPECIMEN” (LIVRETO PROMOCIONAL MOSTRANDO CARACTERÍSTICAS DE DESENHO, PESO E POSSIBILIDADES DE USO) DA ÉPOCA DE LANÇAMENTO DA “AKZIDENZ GROTESK”(IMAGEM: HOEFLER & CO.)
CADERNO DE DESENHOS DE MAX MIEDINGER COM OS RASCUNHOS DA LETRA “R” DA HELVETICA.(IMAGEM: RIETVELD ACADEMIE)
A NEUE HAAS GROTTESK NUMA PROVA ENCONTRADA NO CADERNO DE EDUARD HOFFMAN EM 1957.(IMAGEM: RIETVELD ACADEMIE)
CAPA DO “SPECIMEN” DE LANÇAMENTO DA HELVETICA, DESENHADO POR HANS NEUBURG E NELLY RUDIN(IMAGEM: RIETVELD ACADEMIE)

A releitura da Akzindenz Grotesk feita por Miedinger recuperou de alguma forma esse espírito e foi então batizada de Neue Haas Grotesk, ou “nova haas grotesk”, em alemão. Foi lançada em 1957.

Hoffmann, que havia encomendado a tipografia, achava que o nome não soava bem para o mercado internacional. Em junho de 1959, ele fez um acordo com a fundição Stempel, da Alemanha, para que ela produzisse a tipografia adaptada à composição automática das máquinas de linótipo, feitas pela empresa Linotype.

Heinz Eul, gerente de vendas da Stempel, sugeriu chamar a Neue Haas Grotesk de "Helvetia", que é o nome em latim para Suíça. O termo, porém, já batizava outras empresas e Hoffmann acabou escolhendo “Helvetica”, que é “suíço” em latim.

A Helvetica teve rápido sucesso. Seu desenho primava pela simplicidade, mas também apresentava variações de pesos (bold, regular) e estilos (itálico), além de incorporar formas e traços mais humanistas, com elementos herdados da escrita com pena, como a espessura dos caracteres. Numa realidade do pós-guerra em que os principais artistas das vanguardas europeias e professores de escolas como a Bauhaus se espalharam pelo mundo disseminando ideias do modernismo e do design social, a "neutralidade" da Helvetica encontrou solo frutífero para prosperar, se adaptando bem à necessidade e mentalidade projetual racional" de designers gráficos pelo mundo.

Ao mesmo tempo, a tipografia caiu nas graças dos diretores de arte das agências de publicidade da avenida Madison, em Nova York e passou a ser usada por grandes empresas como a Lufthansa tanto em propaganda como no sistema de comunicação interna nos aviões. A Helvetica virou assim a principal referência em tipografia durante o auge do design corporativo da década de 1960.

Um de seus maiores entusiastas foi Massimo Vignelli (1931–2014), designer gráfico italiano radicado em Nova York.

“Quando ela apareceu nós estávamos prontos para ela. Ela tinha todas as conotações certas que estávamos procurando”

Massimo Vignelli no documentário “Helvetica”

Dois dos trabalhos mais célebres de Vignelli são identidades visuais que utilizam a Helvetica como sua tipografia principal: a identidade da American Airlines (que se manteve a mesma de 1961 até o início dos anos 2010) e todo o sistema de transporte e trânsito da cidade de Nova York, incluindo o metrô.

No documentário “Helvetica”, refletindo sobre a época de lançamento da tipografia, o designer holandês Wim Crouwel dá a dimensão de por que a tipografia foi tão difundida logo após seu lançamento.

Diz ele que a Helvetica “foi uma verdadeiro passo adiante com relação às tipografias do século 19. Ela era um pouco mais como se fosse feita por uma máquina, descartando detalhes manuais, o que nos deixava muito impressionados, porque era mais neutra. E ‘neutro’ era uma palavra de que gostávamos muito. [O design] não deveria ter um significado em si, o significado era dado pelo texto”.

A história das tipografias#

As letras europeias mais antigas que chegaram até os dias atuais são as maiúsculas gregas, com traços finos e compostas quase sempre por linhas retas. Elas eram desenhadas à mão e não tinham quase nenhum elemento ornamental.

INSCRIÇÕES DE DYPILON, DE 740 A.C. CONHECIDAS POR SEREM O MAIS ANTIGO REGISTRO DE USO DO ALFABETO GREGO

Com o tempo, os traços foram ficando mais grossos e com variações na espessura. E surgiram as serifas. O alfabeto latino usado durante o Império Romano serviu de modelo para tipógrafos durante mais de 2.000 anos.

INSCRIÇÕES NA BASE DA COLUNA DE TRAJANO, EM ROMA, DE 113 A.C.

Serifa

A serifa é um traço adicionado ao início ou fim das extremidades principais de uma letra. Especula-se que tenha surgido com o uso do pincel chato na caligrafia, graças à sua capacidade de evitar rachaduras nas letras talhadas em pedra. Até hoje, os tipos serifados são utilizados principalmente em textos longos. Acredita-se que as linhas criadas pelas serifas na base e no topo do texto facilitem a leitura.

A partir da disseminação do alfabeto latino pelo mundo, os escribas, responsáveis pela composição dos textos, criaram novos estilos ao longo da Idade Média, todos desenhados à mão.

Em 1450, então, Johannes Gutenberg criou a prensa móvel. Os alfabetos passaram a ser compostos em moldes de metal, os tipos móveis, que podiam ser reproduzidos em série. Nascia o ofício dos tipógrafos, que mantiveram vivas algumas tradições romanas, mas também criaram novos estilos.

Claude Garamond, 1530

É UMA DAS MAIS CONHECIDAS TIPGRAFIAS RENASCENTISTAS

Giambattista Bodoni, 1798

É UMA TIPOGRAFIA ROMÂNTICA NOTÁVEL PELO CONTRASTE NOS TRAÇOS

Berthold Type Foundry, 1898

É UMA TIPOGRAFIA REALISTA, ANCESTRAL IMEDIATA DA HELVETICA

No final do século 19, surgiram as tipografias categorizadas como realistas, criadas em oposição ao caráter elegante das tipografias anteriores. Com o objetivo de se aproximar da caligrafia usada pela população em geral, as letras realistas possuem desenho mais simples, tornando as serifas geométricas e mais pesadas, ou abandonando-as por inteiro.

Os tipos realistas formaram os primeiros alfabetos sem serifa a serem usados em massa, tanto pela propaganda como por movimentos de arte e design de vanguarda do século 20.

Características
dos tipos realistas

CASLON,
tipo barroco de 1730

HELVETICA

Ausência de serifas

A característica mais marcante das fontes realistas é a ausência das serifas, que desde a invenção da prensa prevalecia nos tipos mais usados.

GILL SANS,
tipo humanista de 1928

HELVETICA

Traço não modulado

A variação na espessura do traçado, chamada de modulação, é uma característica herdada da caligrafia presente nas fontes chamadas de humanistas, como a Gill Sans. O traçado da letra na tipografia realista possui uma espessura constante e quase não tem variação.

TIMES,
tipo modernista lírico de 1931

HELVETICA

Eixo vertical presumido

O eixo de uma fonte se refere à posição em que uma pena desenharia suas letras. Como a Helvetica mantém poucas características do desenho caligráfico, seu eixo é chamado de presumido. Devido à sua aparência ereta, o eixo presumido é vertical.

BASKERVILLE,
tipo neoclássico de 1750

HELVETICA

Abertura pequena

Entende-se como abertura o espaço vazio aberto entre letras como a, c, e, s. A abertura da Helvetica é pequena, o que se afasta da tipografia humanista.

MINION E SUA VERSÃO ITÁLICA,
tipos neohumanistas de 1989

HELVETICA E SUA VERSÃO OBLÍQUA

Itálico trocado pelo oblíquo

As versões itálicas das fontes tradicionais não apenas mudam a inclinação das letras, mas também trazem traços mais caligráficos e humanistas. A Helvetica, no entanto, possui uma versão oblíqua, em que as letras são inclinadas sem alterações drásticas em seu desenho.

O império das sem serifa#

Ao longo da história, os tipos sem serifa eram associados a formas incultas de expressão e vistos com preconceito por compositores de tipografia mais fina, voltada para literatura. Mas o panorama mudou definitivamente na virada do século 19 para o século 20, com a criação das tipografias não serifadas chamadas "grotescas", como a Akzidenz Grotesk, de 1898. Inspiradas nelas, surgiram novos tipos a partir de 1900, que, com a Helvetica à frente, formaram um novo cânone de composições modernas.

Algumas das mais célebres tipografias não serifadas são a Futura, criada por Paul Renner em 1927 e caracterizada por seu desenho mais geométrico e racional, e a Gill Sans, criada por Eric Gill, entre 1928 e 1932, de traços mais humanistas, que lembram a escrita à mão com pena.

“SPECIMEN” DA FUTURA, MOSTRANDO SUAS VARIAÇÕES CONDENSADAS.(IMAGEM: MONOTYPE)
IMAGEM PROMOCIONAL DA UNIVERS MOSTRANDO SEU ABRANGENTE SISTEMA DE PESOS E ESTILOS(IMAGEM: LINOTYPE)
POSTER PROMOCIONAL DO “SPECIMEN” DA GILL SANS.(IMAGEM: MONOTYPE)

Em 1957, mesmo ano do lançamento da Helvetica (ainda chamada de Neue Haas Grotesk), a casa de fundição francesa Deberny & Peignot colocou no mercado a Univers, criada pelo suíço Adrian Frutiger. Ela trazia um equilíbrio entre o desenho racional e a legibilidade humanista. E inovou ao criar um sistema organizado de pesos (light, bold) e estilos (regular e itálico) identificados por códigos numéricos. Na época, a Univers disputou a preferência dos designers dos anos 1960 e 1970 com a Helvetica. Mas acabou menos popular. E o próprio Frutiger reconheceu o fato: “Helvetica é o jeans, e a Univers é o smoking. A Helvetica veio para ficar”.

Em 1982, uma outra tipografia sem serifa ganhou o mercado: a Arial. Ela foi criada por Robin Nicholas e Patricia Saunders como uma alternativa à Helvetica. E foi popularizada a partir dos anos 1990, com sua inclusão nos sistemas operacionais dos computadores pessoais desktop que se espalharam por lares em todo o mundo.

Os tipos sem serifa viraram hegemônicos. E, para o olhar leigo, é fácil dizer que eles são todos iguais. Você sabe diferenciá-los? Faça o teste.

QUIZ
Você sabe identificar a Helvetica em uso?#

QUIZ Você sabe identificar a Helvetica em uso?

1/3

Qual é a tipografia da palavra abaixo?

QUIZ Você sabe identificar a Helvetica em uso?

2/3

O design da coleção “Debates” da editora Perspectiva é um célebre exemplo do design gráfico modernista brasileiro.
Qual a tipografia usada nas capas?

QUIZ Você sabe identificar a Helvetica em uso?

3/3

O design da Helvetica é considerado uma releitura da Akzidenz Grostek. Você sabe dizer qual delas compõe o exemplo abaixo?

Os traços particulares da Helvetica

Terminações em ângulos retos

Não existem terminações diagonais na Helvetica. Todas as letras têm terminações em ângulos retos.

Perna do ‘R’ maiúsculo

O ‘R’ maiúsculo da Helvetica tem uma perna perticular, que progride em ângulo reto e termina com uma pequena curva na base.

Traço do ‘Q’ maiúsculo

O traço do ‘Q’ maiúsculo da Helvetica é reto, não modulado, e cruza a circunferência da letra.

O algarismo ‘1’

A cabeça do algarismo ‘1’ da Helvetica é ligada com a haste por meio de uma linha horizontal, e não diagonal.

‘A’ minúsculo

O ‘A’ minúsculo termina com uma curva particular, acabando perpendicular à linha de base.

A importância de uma tipografia#

A Helvetica não se limitou a ser a tipografia-chave do revival modernista. Aos 60 anos, ela ainda é uma referência no design gráfico. Foi, por exemplo, uma das fontes digitais incluídas por default no sistema operacional dos computadores Macintosh, da Apple, de 1984 em diante, o que aumentou o potencial de sua onipresença e uso pelos profissionais do design.

O Nexo fez então uma pergunta aos seguintes designers e tipógrafos brasileiros:

  • Fábio Prata e Flávia Nalon, designers do estúdio ps.2
  • Chico Homem de Melo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
  • Daniel Sabino, designer e tipógrafo do estúdio Blackletra
  • Julio Mariutti, designer do estúdio lógos
  • Tereza Bettinardi, designer gráfica

Qual a relevância da Helvetica para o desenho de tipografias e o design gráfico ao longo de seis décadas?

Fábio Prata e Flávia Nalon
“Para um designer é incrível observar o seu desenho e, o seu não desenho. A relação figura/ fundo, o espaço preenchido e vazio, o espaço entre as letras, dentro e fora delas, é realmente primorosa. É um equilíbrio tão bem resolvido, que parece natural. (...) As curvas estão lá, mas de forma discreta e precisa, apenas onde precisam estar. O eixo horizontal marcado parece conferir um equilíbrio e simplicidade no desenho que não se encontra em outras tipografias. Então fica uma dica de designer. Se não souber que fonte escolher para o seu projeto: Helvetica bold, do maior tamanho que couber em sua folha”

Chico Homem de Melo
“Nos anos 1980, eu costumava dar uma aula sobre tipografia para estudantes de arquitetura. Era uma espécie de introdução ao assunto, para jovens que nunca tinham prestado muita atenção no desenho das letras. Eu começava mostrando a Helvetica e a Univers, e dizia: ‘O mundo se divide em dois tipos de pessoas: os que gostam da Helvetica e os que gostam da Univers.’ E daí eu completava: ‘E a pergunta que vocês devem estar se fazendo é: Qual é a diferença entre elas?’ Atualmente, acho que o embate entre Helvetica e Univers não emociona mais como emocionava décadas atrás.”

Julio Mariutti
“Por que a Helvetica conquistou esse lugar de ‘a tipografia mais universal já desenhada’? Muitos se perguntam por que a Univers não conquistou esse lugar.
Há uma série de questões comerciais, de distribuição etc., mas para mim a resposta também está no próprio desenho. A Helvetica é perfeita para o que ela quer ser – mesmo quem odeia a Helvetica odeia justamente porque ela é perfeita. Perto da Helvetica, a Univers é cheia de particularidades e afetações. A Helvetica é tão ‘normal’ que quase dá para definir todas as outras fontes a partir daquilo em que elas diferem da Helvetica.
No estúdio a gente costuma dizer que, se não houver um ótimo motivo (um significado claro) para usar outra fonte num trabalho, é Helvetica. Primeiro, porque ela manifesta uma filiação ao design modernista, com que nos identificamos profundamente; segundo, citando o Experimental Jetset, estúdio holandês, ao usar a Helvetica você tira um pouco o foco da escolha da fonte e passa para o que você faz com ela.”

Daniel Sabino

"É difícil afirmar se Helvetica é realmente um tipo neutro. Prefiro pensar que não, sua personalidade é marcante e reconhecível, talvez devido ao amplo uso a que tem sido submetida. Poucos tipos resistem ao tempo dessa forma, ela é um produto de design duradouro. Helvetica é normal, e pode estar aí a razão da sua importância para a cultura visual na qual estamos todos inseridos".

Tereza Bettinardi
“É inquestionável a importância da Helvetica para a história do design gráfico moderno. Mas fico na dúvida se a sua onipresença e popularidade não trouxe um efeito colateral, proporcionando um efeito geral de monotonia.
Tipografia é voz. Imagine se todas as fachadas das lojas de uma rua fossem desenhadas em Helvetica. O sonho de muita gente, até já foi criado um tumblr para isso, amplamente compartilhado entre colegas. Por outro lado, quantas alternativas e vozes diferentes não ficariam de fora desse espectro? Helvetica é uma declaração inequívoca de racionalidade, um assunto muito caro aos designers. No entanto, a busca da racionalidade esbarra sempre em alguns limites, dados pelo mundo real, quando um projeto entra em contato com a alteridade – o cliente, mas, sobretudo, também o público/consumidor final. Por isso eu penso que ela também diz muito sobre quem projeta.
Não sou contra a fonte – aliás, recorro a ela em alguns projetos. Mas questiono a decisão por seguir acriticamente um cânone do design para justificar qualquer decisão de um projeto, ignorando o contexto da coisa.”

Contra a Helvetica#

Ao se observar quais as fontes mais vendidas em alguns dos principais websites de comércio digital de tipografias, chama atenção o fato de que a estética da Helvetica segue em alta: ela figura quase sempre entre as cinco primeiras, e as demais posições são ocupadas por outras de desenho semelhante, como Univers, Futura, Avenir.

O que explica a permanência da tipografia sexagenária? A primeira década dos anos 2000 foi marcada no design gráfico por um retorno à estética modernista dos anos 1960, como um contraponto materialista à hiperdigitalização do final dos 1990. Estúdios como o inglês SPIN e os holandeses do Experimental Jetset ajudaram a criar o imaginário visual desses anos, ora desenvolvendo um trabalho minimalista e racional, ora adotando esse revival como referência histórica.

Mas, ao longo de seus 60 anos de existência, a percepção sobre a Helvetica foi mudando. "Hoje acho que a Helvetica nunca foi pensada para ser a tipografia fria, perfeita e racional que se acredita ser. Há um ‘calor’ sutil em suas formas que se perdeu com o passar dos anos" afirma o tipógrafo Christian Schwartz, da Commercial Type.

Muitas vozes críticas se levantaram contra a tipografia de 1957. Para o tipógrafo alemão Erik Spiekerman, ela se banalizou. “A maioria das pessoas que usam Helvetica o fazem porque ela é ubíqua. É como ir ao McDonald’s em vez de pensar em comida. Porque está lá, em todas as esquinas, então vamos comer porcaria porque está na esquina.”

Em um texto escrito em 2007 para a Eye, importante revista de design, no cinquentenário da Helvetica, o tipógrafo holandês Martin Majoor fez um duro ataque contra a hegemonia da invenção de Max Miedinger. Ele credita seu sucesso e popularidade a uma agressiva estratégia de marketing e à forte influência que os suíços tinham no mundo da tipografia e design. Em especial, critica a pouca adequação da Helvetica – “a pior escolha que você pode fazer” – para textos mais longos .

Na mesma linha, na Smithsonian Magazine, o professor de tipografia americano Alastair Johnson escreveu sobre a pouca eficácia da Helvetica em alguns casos. “Para serem legíveis, as palavras têm que ter um equilíbrio visual entre os espaços brancos internos e externos [às letras], numa espécie de fluxo aerodinâmico. Tipos como Syntax ou Frutiger funcionam muito melhor que a Helvetica, que parece fechada em si mesma, constipada”. Já para o designer americano Armin Vit a suposta neutralidade da tipografia é “besteira”. “Não há nada de neutro sobre a Helvetica. Escolhê-la tem tanto significado e carrega tantas conotações como escolher qualquer outra tipografia.”

Ame ou odeie, fato é que, 60 anos depois de sua criação, nenhum designer ou tipógrafo fica neutro diante da Helvetica.

Produzido por Guilherme Falcão e Thiago Quadros

Layout por Guilherme Falcão e Thiago Quadros

Desenvolvimento por Ariel Tonglet

Editado por José Orenstein

© 2017 Nexo Jornal